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APONTAMENTOS DE CAMPO

1. O Passeio Marítimo é um elemento que encontra sentido no percurso delineado na relação de contacto entre a terra e o mar. O Passeio, enquanto elemento construído, é a parte arquitectada da paisagem que se estende para integrar o campo panorâmico do mar e a fímbria de terra que lhe dá um enquadramento próximo.
2. O mar, o Passeio e a terra são elementos conexos e complementares que encontram a sua unidade na paisagem dada ao lazer, ao encontro e à contemplação do percurso numa linearidade sequenciada. Esta paisagem aberta faz contraponto com as interioridades  do tecido urbano e constitui um acontecimento excepcional no corpo da cidade.
3. O projecto do Passeio Marítimo problematizou a monumentalidade dos muros, moderando e controlando a rusticidade do corte clivado do granito e do xisto. 
4. À partida, temos o mar e uma orla costeira rochosa e pontualmente escarpada entre duas pequenas praias que distam entre si cerca de 1100 metros. 
5. O sentido estético da paisagem, considerado em abstracto, invoca referenciais de um realismo naturalista, mas é traído se esses elementos caem no simplismo da imitação, da reprodução e da cópia da natureza bruta. A paisagem, tendo o seu centro e a sua origem na ideia do sujeito, materializa-se em padrões territoriais com os seus geomorfismos brutos e “artialisados", mas com a consciência de que a forma arquitectada enquanto obra de arte é independente da circunstância da realidade bruta externa à ideia e ao pensamento.
6. Nenhuma arte, como a arquitectura paisagista, se mistura tanto e confunde com elementos naturais e no caso trechos do território, em estado bruto mais ou menos escolhidos, enquadrados e estilizados. Por maioria de razão, não cabe à arquitectura paisagista fazer representações fiéis das “paisagens brutas”. O seu desafio e objecto é a criação de novas ordens territoriais que correspondam ao desejo e à necessidade de espaços culturalmente significantes.
7. A intervenção paisagística é sempre a apropriação de um sítio através de uma ideia criativa e transformadora. É a aplicação da ideia ao território que gera a paisagem.
8. Arquitectar a paisagem é um exercício de aprofundamento da vivência emocional dos sítios, trabalhando sobre a sua essência ao conferir identidades e significados a elementos e unidades que estruturam o espaço territorial. Este exercício é sempre um acto construtivo dirigido à utilização e fruição directa do território, incorporando em si o campo onde se movimenta a vida humana.
9. A paisagem é o resultado da intuição, da inspiração e da sensibilidade que se desenvolve em leituras sensoriais do território. A interpretação dos lugares que mais interessa à arquitectura paisagista é aquela que emerge da vivência directa espontânea dos sítios e dos momentos retidos na memória, agregando imagens, afectos e sensações que, no conjunto, formam a ideia do sítio. 
10. Uma paisagem não tem representação possível, por isso só a sua fruição directa, a sua vivência quotidiana, podem captá-la e avaliá-la. A paisagem é uma realidade objectiva que se oferece às intersubjectividades das vivências individuais que encontram nela o reflexo mais profundo de uma realidade objectiva. O valor da paisagem forma-se e decide-se na autenticidade dos momentos de presença individuais. 
11. Pode haver espaços e tempos que não têm paisagem onde a mesma fica ausente ou se anula e onde tem sentido o propósito de recriar a paisagem. A terra incógnita, estranha e hostil é a antítese da paisagem. 
12. Na sua essência, a paisagem é o acto de revelação de um espaço acolhedor que se disponibiliza para ser confortavelmente fruído. A generosidade desta entrega domina totalmente a concepção da paisagem que é, por sua vez, indissociável de uma manifestação espiritual sublimada. 
13. A paisagem, para não ser um cenário, carece de sentido histórico ou simplesmente de uma compreensão historicamente contextualizada que lhe confira um significado cultural. Assim se explica que uma paisagem possa ser enriquecida pelo historial da sua vivência e pelas memórias que inspira e alimenta.
14. O sítio apaga-se paisagisticamente quando o sujeito perde a capacidade ou a vontade de o apreender emocionalmente.
15. A paisagem quando acontece tem uma evidência absoluta e não é só estética, a sua razão de ser requer também um sentido útil na geografia do quotidiano e é por isso que não é suficiente identificá-la com o belo natural.
16. O sujeito sensibilizado pela contemplação da paisagem comunga de uma experiência que transcende a sua subjectividade. A paisagem revela-se no silêncio da experiência da sua fruição.
17. A paisagem valoriza-se na intemporalidade alicerçada no poder de sobrevivência que lhe é dado pelo desenho, pela expressão dos materiais aplicados e pela composição resolvida e acompanhada em obra.
18. A presença na paisagem não se repete, cada momento tem a sua singularidade efémera e, por isso, é normal que a percepção de um sítio paisagisticamente conseguido não corresponda ao déjà vu, proporcionando uma experiência sempre renovada.
19. O Passeio Marítimo enquanto acto violento de transformação do geomorfismo bruto do sítio redime-se pela obra de arte. Se esta falha, fica a funcionalidade da estrutura, o que não chega para superar a saudade do que existia antes. A “memória do antes” e a dimensão temporal adquirida “pelo depois” avalia o mérito do resultado final. Se aqueles que sempre conheceram o sítio não tiverem saudades, pena, nem nostalgia pelo que havia antes então a obra resultou plenamente.
20. É sempre um embaraço destruir e apagar um sítio que pertence à memória e ao passado de alguém. O sortilégio de arquitectar a paisagem deve acontecer sem ferir essa pertença e sem concessões constrangedoras da liberdade criativa.

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